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Tempos de intolerância e de pessoas que se esvaem em si mesmas

A "auto-ajuda" é o que leva ao aumento das consultas com psicólogos e terapeutas.


Já ouvimos frases como:

  • Pense em você primeiro;

  • Não desista por nada daquilo que você quer;

  • Ame a si mesmo para amar aos outros;

  • Tenha a sua opinião e defenda o que acredita.


Essas frases e outras mais soam em muitos casos como um incentivo, um empurrão para quem está triste, deprimido, ou com baixa auto-estima. De fato, é preciso entender o seu próprio valor. Entretanto, ultimamente venho percebendo em muito a falta de tolerância e o egoísmo das pessoas. Muitos de vocês devem estar pensando assim: "Ah, mas isso não é de hoje. Esse egoísmo sempre existiu". De fato, mas creio estarmos vivendo os dias mais egoístas da humanidade. Primeiramente quero falar sobre como nossa sociedade atual nos estimula, incentiva e patrocina nossos atos egoístas como nunca. Depois quero trazer essa discussão comportamentos exibidos hoje em dia e falar sobre como isso se dá na manifestação de opiniões e como as pessoas estão intolerantes ao contraditório. Finalmente irei falar sobre o círculo vicioso de hoje em dia.


O Capitalismo Pós-Contemporâneo: É meu e quero tudo sem fazer nada.


Se há alguma geração preguiçosa e mimada, então creio que a atual é essa. Hoje as pessoas não tem mais paciência em correr atrás, em trabalhar, em esperar o tempo de maturação natural de tudo na vida. Se trabalha, quer o salário antes de trabalhar; se estuda, quer que o conhecimento entre por osmose; se quer diversão, é sem limites; se quer um bem, tem que consegui-lo da maneira mais rápida e fácil possível; se quer informação, busca um suposto expert na área para apenas absorver aquela determinada e específica informação, sem criticá-la. É o famoso ditado: "Vamos evitar a fadiga". E qual o resultado disso? Pessoas sedentárias, mesquinhas, fúteis e que adoram se admirar no espelho.


Essa realidade sombria é fruto do nosso modo de produção capitalista. E antes que achem que eu seja comunista ou algum tipo de esquerdista, não sou. Sou apenas um crítico, e tenho críticas mais duras ainda a quem gosta de colocar a sociedade nessa lógica maniqueísta. Mas voltando ao assunto, o capitalismo vive do nosso egoísmo e incentiva que o pratiquemos diariamente. As propagandas de produtos que incentivam a cobiça, a frenética busca pelo corpo perfeito (disfarçada pela busca por saúde), os pré-conceitos sobre coisas que não se conhece, o que estimula a alienação, e por aí vai.


Os comportamentos que o capitalismo incentiva e patrocina não são perceptíveis normalmente, porque já está tão enraizado em nós, que é um absurdo pensar em dividir algo que me esforcei tanto para ter; é errado achar uma bela moça gordinha, bonita (ou um rapaz também); questionar os fatos é revolta, é desobediência, é anti-cristão. Essas ideias temos todos os dias de forma natural e as vezes até com boas intenções, mas ainda assim perpetuam o ciclo do egoísmo que vivemos. Ora, se estamos perpetuando o ciclo, então temos como pará-lo.


A condicionante é oportuna e real. O ser humano com sua capacidade de autodeterminação é totalmente capaz de frear e até parar o ciclo do egoísmo que vivemos. Porém, se vivemos uma era de narcisistas como nunca e não há nenhum sinal de guinada nessa realidade, então a reflexão é assustadora: Não paramos o ciclo porque não queremos. Nós gostamos de ser egoístas, gostamos do caminho mais fácil, gostamos de segregar pessoas, gostamos de ser mais bonitos que os demais, gostamos de ter o que ninguém mais tem. Portanto, não queremos que essa lógica pare, mas é ótimo que continue (é a lógica do vencedor - é preciso haver apenas um vencedor -).


A Mente Humana Atual: As minhas opiniões estão certas porque eu sei que estão.


Ao entrar nessa seara comportamental, é como pisar em ovos. Isso tanto pela dificuldade em lidar com o abstrato e subjetivo, como pela sensibilidade que as pessoas têm quando são confrontadas nesse campo. Mas a realidade atual nos mostra que somos mesquinhos, arrogantes, narcisistas e caçamos defeitos em tudo. Basta observar reações de pessoas a eventos que ocorrem atualmente. Vou pegar um exemplo que está bem vívido na mente do brasileiro hoje: a política.

Assunto que é comumente dito acima de qualquer discussão é a opinião política. Não se discute, porque o esquerdista (comuna, vermelho, guerrilheiro) não compartilha dos mesmos princípios do direitista (burguês, almofadinha, coxinha). Esse contexto demonstra que não há tolerância nem para se ouvir o contraditório, o que é oposto, o "inimigo". Não é raro de se ouvir ou ver as frases: "Eu que sei o que é melhor para mim..."; "Não vou ouvir argumento de coxinha burguês comprado..."; "Esses comunas querem levar o país à ruína do socialismo, não podemos dar voz a eles..." e por aí vai.

Quando algum político toma um posicionamento em algum tema polêmico é taxado de herói pelos concordantes, e imbecil e vilão pelos divergentes. O problema não é essa natural reação em si, mas o problema está no fato de um posicionamento levar muitos a deixarem a pessoa isolada e tornarem-se contra alguém que apoiavam fortemente há pouco tempo. Nesse caso, um explícito exemplo é a ex-Presidente Dilma Roussef. A despeito do mérito que a levou ao impeachment, muitos que comemoraram sua vitória e reeleição em 2014, vibraram com cada voto pelo impedimento da chefe do Executivo - por infrações que foram fortemente questionadas -.

E finalmente, a falta de tolerância, a não aceitação do contraditório e as inconstâncias de opinião, levam à atitude cabal da falta de capacidade argumentativa. Isso porque a falta do debate, da discussão, do confronto leva a pura e simples atrofia mental e capacidade de arguição. "Eu acho que fulano está certo porque eu concordo com seu pensamento". Esta frase representa como hoje alguém concorda ou enaltece outrem pela pura e simples afinidade de ideias. Não há mais o questionamento, a dúvida é tida como algo cansativo, irritante e inconveniente. Assim o mero alinhamento de pensamento é suficiente para tornar alguém certo. Meu mundo sou eu. Tenho um grande amigo mestre em Teologia e Filosofia. Em um de nossos papos ele me afirmou sobre como as pessoas estão fechadas e fixadas em si mesmas. Atualmente, somos incentivados a pensar, viver, agir, ser felizes, ganhar, perder, sonhar, só por nós mesmos. Não aprendemos (ou não somos ensinados) que viver em sociedade significa inevitavelmente viver em equipe. Por que muitas pessoas acabam perdendo o emprego? Porque se não sabem viver em equipe, trabalhar em equipe será algo desafiador também.

Um bom exemplo desse ciclo fechado na própria pessoa são os objetivos de vida que vemos por aí. "Eu quero um bom emprego para mim, para que possa conseguir um bom salário, comprar as minhas coisas, realizar os meus sonhos, satisfazer os meus desejos e (se sobrar tempo pra isso) ajudar as pessoas para que todos me vejam fazendo isso e eu seja engrandecido". Os trabalhos sociais, voluntariados na esmagadora maioria dos casos são feitos visando não a ajuda ao próximo, mas o benefício que trarão - seja no currículo, seja no conhecimento da pessoa -.

Com isso, o que observamos é que o mundo é resumido no eu e isso incentiva as visões relativistas extremas da realidade. Longe de mim querer dizer que precisamos ver as coisas em modelos maniqueístas, entretanto assim como não há vantagem em ver o mundo em "preto e branco", não há vantagem alguma em vê-lo somente nos vários tons cinzas. As pessoas hoje afirmam que o mundo possui uma verdade, uma visão, uma certeza para cada pessoa. Incentivadas pelas teorias pós-contemporâneas como visões críticas, teorias construtivistas e pós-modernistas tudo é questionável em todos os níveis.

Esse "caos" teórico é refletido na nossa atual sociedade que vive com pessoas que encaram um mundo em constante dinamismo e assim, observam que a visão delas é a correta, pois sua realidade é única, mas em muitos casos há na verdade a tentativa de auto-justificação por algo que a pessoa sabe ser errado, mas não admite nem para si própria. Isso leva a uma intolerância aos que discordam do seu "mundo" ou que o condenam, levando à exacerbação de sentimentos de repúdio, desavenças e acirramento de tensões bobas - vide brigas em trânsito que acabam em morte, ódio e violência disseminados por todos na internet, etc. -. Portanto, vivemos uma nova "Era dos Extremos" no séc. XXI, mas de forma muito mais pulverizada, onde cada qual sente-se empoderado para agir como quer, para si, sem vontade de repartir, compartilhar, dividir. Assim, podemos estar vivendo os últimos dias da humanidade, ou apenas mais uma crise social. De qualquer forma, tomando emprestada a visão egocêntrica das pessoas, ajudar ao próximo é se ajudar, pois no futuro poderá ser você o necessitado. E, se for um caso de vida ou morte, a falta de assistência será o seu apocalipse.

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