A crise ucraniana não é simplista e um movimento ingênuo de Moscou para barrar a Europa. Entenda o posicionamento das peças de Putin e como a China está usando isso para seu benefício.
O barril de pólvora criado na Ucrânia ao longo dos últimos anos não é uma novidade para as grandes potências militares, principalmente para EUA e Rússia. Esse cenário era possível de ser previsto desde quando a OTAN, com o fim da União Soviética e a reabertura dos países do leste europeu, começou a estreitar os laços com as pequenas nações que surgiram na região.
A OTAN avançou firme rumo às fronteiras russas, chegando ao limite das terras de Moscou com a adesão da Estônia, Lituânia e Letônia. Assim, ainda finalizando a reestruturação do pós-queda do muro de Berlim, os russos viam repúblicas a sua volta (como no caso da Geórgia e da Ucrânia) com populações que queriam se submeter a Moscou, até que se identificavam como russas, mas impedidas naturalmente pelos respectivos governos. E além disso, dentro da Rússia há diversas etnias rebeldes que gostariam de ver o enfraquecimento de Putin para promover maior libertação e consequente fragmentação da Federação Russa.
Nesse ensejo, surge a disputa pela Ucrânia, que tinha um governo leal ao Kremilin, porém esse foi destituído por uma guerra civil, na qual os nacionalistas foram incapazes de eliminar os apoiadores dos russos nas terras ucranianas. Logo, uma oportunidade surgiu para fomentar a instabilidade interna com o apoio dos que desejam serem assimilados pela Rússia. Essa instabilidade concedeu a Moscou a certeza de que dificilmente a Ucrânia seria aderida pela OTAN, por ser um país em conflito interno. Essa lógica funcionou ao longo da gestão de Trump nos Estados Unidos, que via o maior inimigo na China, e adotando uma política mais isolacionista, inclusive no âmbito da OTAN. Porém, a eleição de Biden, mudou esse cenário.
O foco da administração de Biden é apoiar os aliados europeus e manter a China na posição que a Rússia tinha na presidência anterior. Portanto, o Presidente dos EUA observa em Moscou não apenas uma ameaça ao governo ucraniano que foi escolhido pelo seu povo, mas incentivou a aproximação da OTAN com a Ucrânia, ao ponto de assustar Putin com a possível entrada da Ucrânia na organização. Esse temor foi traduzido nas movimentações ao longo das fronteiras entre os dois países e com o apoio do Presidente Lukachenko de Belarus (forte aliado russo). E então chegou-se ao estágio pré-guerra de hoje.
Pontos fortes da Rússia
Poder bélico: A Rússia tem o segundo mais bem preparado, testado e equipado aparato bélico (recursos humanos e materiais) do mundo, além de um vasto arsenal nuclear.
Poder econômico: A Rússia é um país emergente do G20 e BRICS, além de vastas reservas energéticas e uma forte indústria própria, a tornando independente de fornecedores de armas, mas que pode ter escassez de recursos com possíveis sanções.
Posicionamento geopolítico vantajoso: A Rússia possui muito maior capacidade de manobra, ação tática e proteção das suas tropas no terreno, além de contar com o recente apoio da China, o que pode anular ou atenuar sanções ocidentais contra Moscou.
Pontos fortes da OTAN
Poder econômico: A OTAN, unindo os principais países europeus e os EUA possuem uma economia extremamente forte e de alta tecnologia, mas dependente energeticamente de recursos como o gás natural russo.
Poder tecnológico: Países como EUA, Reino Unido e França são altamente tecnológicos, bem como a Alemanha. A criação de novos meios de guerra é uma possibilidade grande com um conflito mais ameaçador.
Maior resistência a um conflito de longo prazo: Caso a OTAN ingresse efetivamente no teatro de operações, o poder do apoio militar e industrial dos EUA, além de outros aliados oferece maior sustentabilidade a longo prazo, o que a Rússia pode buscar equilibrar com o apoio chinês e de outros países extrarregionais.
Enquanto isso, em Pequim...
A despeito dos Jogos Olímpicos de Inverno, a China nada de braçada com todo o reboliço russo-ucraniano. Trump acertara na identificação da principal ameaça ao poderio norte-americano na China. Enquanto a Rússia é uma potência militar, mas com fortes oposições internas e falta de coesão para se projetar no exterior com força, e uma economia ainda incipiente para ameaçar a força dos EUA, a China conseguiu, através do comunismo maoísta e a figura do Presidente Xi Jinping como líder do Partido, uma unidade interna (mesmo que ao custo incalculável de genocídios), e uma economia que cresce como nenhuma outra. Mas, a OTAN (olhando para o seu próprio umbigo) e o Presidente Biden (buscando resgatar as alianças europeias e desviar os problemas internos de inflação e juros), juntos decidiram que Moscou é a maior ameaça ao Ocidente e resolveram enfrentá-la.
Para a China não há presente maior. Isolar os russos, é entregá-los de mão beijada nos braços do dragão vermelho, além de gerar uma insegurança energética na Europa. Os chineses também encontram a distração ideal, e até a justificativa solidária (ao verem seus aliados ao norte reivindicarem territórios na Ucrânia) para invadirem num futuro breve a ilha de Taiwan, e reclamar o seu território. Portanto, não será o lado vencedor desse possível conflito que irá saborear a vitória, seja Rússia ou OTAN quem se impor nos combates, o vencedor será a China no fim do dia.
Comments