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PEC 241 - Conheça e entenda o que irá mudar e o que não irá mudar.

O teto de gastos públicos: Limitar gastos exorbitantes em uma socialdemocracia é como fazer chover no deserto.



Após a festa e irresponsabilidade nos gastos, controle de gastos, receitas, renúncia de receitas praticados na era PT, agora o Brasil se depara com uma "escolha" (depois explico porque entre aspas) amarga a fazer. Ou aprova a PEC 241 que congelará os gastos públicos nos próximos 20 anos, ou amargará uma fuga maciça de investimentos estrangeiros e aprofundará ainda mais a crise em que vivemos hoje.


Antes de começar a tratar diretamente da proposta em si, irei fazer uma breve retrospectiva de como chegamos a esse ponto. Para tanto irei abordar desde a era FHC até os dias atuais tratando basicamente de como foram os momentos macroeconômicos e como o governo lidou com os sobressaltos que o capitalismo nos empregou desde então.


Década de 1990: Saindo da inflação galopante, entrando na desvalorização cambial


A década de 1990 foi um marco para o país a partir do momento que conseguimos frear de vez a inflação que atingia mais de 1000% ao ano nos idos de 1992. Após a instauração do plano Real o país encontrou a estabilidade nesse campo. Entretanto, após 1997, com ataques especulativos em massa a moedas dos países emergentes que começaram na Ásia, mas logo se espalharam para países como Brasil, Rússia e Argentina, levou a uma desvalorização cambial excessiva e consequente endividamento dos países que de modo geral careciam de poupança externa para realizar seus investimentos.


O que isso quer dizer afinal? Países que não conseguem suprir seus próprios investimentos sem precisar de capital estrangeiro ficaram altamente vulneráveis a flutuações cambiais fortes. Assim, como o Brasil está enquadrado até hoje nessa posição, nosso país foi atingido por essa crise que ocorreu no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. A dependência externa levou aos brasileiros questionarem se o caminho da liberalização comercial e financeira era o melhor caminho. E como o então governo do PSDB aplicava o receituário neoliberal com suas devidas adaptações, a esperança vinha na pessoa que supostamente confrontava por anos essa visão. E assim, surgiu Lula como o candidato que traria ao país a nova estabilidade econômica também retornando com investimentos nas áreas sociais - renegados na era FHC - por motivos de contenção de gastos.


Entretanto, Lula na campanha de 2002, para não afugentar os investidores estrangeiros, comprometeu-se a manter a austeridade praticada no governo FHC e basicamente apenas adaptar alguns pontos à nova realidade. De fato ao ser eleito, Lula assim o fez e aproveitando um bom momento para o Brasil pôde investir em áreas sociais aumentando e consolidando sua base de apoio e por consequência seu governo.


Anos 2000: A era do "Neodesenvolvimentismo" ou um momento de latência neoliberal?


Muitos estudiosos e teóricos chegaram a colocar a era Lula como uma era de neodesenvolvimentismo, resgatando os idos de 1970 com o desenvolvimentismo e a década de ouro do Brasil. Mas essa visão também recebeu muitas críticas por aqueles que viram apenas um neoliberalismo latente que via não ser o momento para avançar mais no país. Em quaisquer das visões, era consenso que o Brasil vivia tempos de bonança na economia - pautado nas exportações de commodities, descoberta dos campos do pré-sal, programas de aceleração do crescimento com incentivos fiscais a segmentos importantes da indústria brasileira, e aposta do governo no patrocínio do consumo com renúncia fiscal para aquecer a economia. Enquanto se tinha um crescimento da produção aliado ao crescimento do consumo, a receita deu muito certo, tendo seu ápice no ano 2010 com o crescimento de 7.5% do PIB. Mas o erro (seja proposital ou não) foi a falta de investimento na produtividade do país em geral. Como assim? Enquanto era aproveitada a capacidade ociosa do Brasil de consumo e de produção, a fórmula funcionou.


O governo tirava impostos de aparelhos da linha branca, dos automóveis, materiais de construção e as pessoas iam consumindo aquela produção e isso incentivava mais ainda a produção. Porém em algum ponto no início dos anos 2010 a produtividade do país atingira seu limite e o lado consumidor, instigado por anos de benefícios, estava cada vez mais ávido pelos bens e serviços a serem consumidos. Com isso, o que se observou foi a gradual e lenta deterioração do benefício produzido pelos crescimentos dos anos 2000. Como não houve investimento em produtividade: melhoria de portos, aeroportos, rodoviais, criação de ferrovias, hidrovias, mais incentivos aos produtores, o lado produtivo da cadeia, vendo-se inundado de pedidos resolveu começar a elevação de preços como forma tanto de contenção de demanda como forma de aumentar o lucro naquele momento.


Assim, uma era de crescimento que poderia ter se perdurado por muitos mais anos, viu o seu fim nos anos de 2013 e 2014, quando entramos na atual e mais profunda crise econômica da história. E com a inflação alta, produtividade baixa e erros pontuais cometidos pelo governo (como a baixa artificial dos preços de energia) a economia ruiu com cada vez menos produção, desconfiança por parte do investidor estrangeiro que viu os erros cometidos e ineficiência na gestão de recursos públicos, o que fez com que o governo se visse refém do aumento de impostos como única fonte de aumento de receita. O que foi um tiro no pé, levando ao esfriamento total da economia e queda na arrecadação fazendária. Essa queda, atrelada a uma previdência já falida há muitos anos e crescentes despesas - principalmente despesas correntes - trouxe o governo à irresponsabilidade fiscal, o que inviabilizou a continuidade do mandato de Dilma Roussef.


PEC 241: O que é? O Projeto de Emenda Constitucional 241 de 2016 (PEC 241/16) traz alteração ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O texto afirma o seguinte:

Art. 101. Fica instituído, para todos os Poderes da União e os órgãos federais com autonomia administrativa e financeira integrantes dos Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, o Novo Regime Fiscal, que vigorará por vinte exercícios financeiros nos termos dos art. 102 a art. 105 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Nesse primeiro artigo fica definido o escopo de eficácia da emenda. Engloba "todos os Poderes da União" (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também as entidades da Administração Indireta dependentes de recursos do Governo Federal, "os órgãos federais com autonomia administrativa e financeira integrantes dos Orçamento Fiscal e da Seguridade Social". Outro ponto importante aqui demonstrado são os orçamentos que sofrerão o impacto do Novo Regime Fiscal. O planejamento orçamentário do governo contempla basicamente três orçamentos:

  • Orçamento Fiscal: custeio da máquina pública, gastos governamentais em geral;

  • Orçamento da Seguridade Social: sustento de programas sociais, da saúde e previdência social (independente da pasta executora do gasto - por exemplo, um projeto social sob a tutela do Ministério da Educação, ou os próprios gastos com ensino público);

  • Orçamento de Investimentos: orçamento do Governo com os investimentos nas empresas estatais.

Com isso já dá pra se ter algumas conclusões. Primeiro, a tentativa do governo em "tapar o sol com a peneira" ao afirmar em entrevistas e pronunciamentos que recursos para Saúde e Educação não serão afetados com o Novo Regime Fiscal é mentira. Pois o orçamento que sustenta as principais ações nessas áreas, o de Seguridade Social, será explicitamente submetido às restrições. Segundo, a austeridade será global e irrestrita em todos os setores governamentais, isto é, nem fundações públicas, autarquias e outras entidades da Administração Indireta serão poupadas. Terceiro, o Governo ficará extremamente engessado na contratação de pessoal, realização de novos concursos e reposição de pessoal aposentado ou falecido. Continuemos com o que diz o Art. 102.:

Art. 102. Será fixado, para cada exercício, limite individualizado para a despesa primária total do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, inclusive Tribunal de Contas da União, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União. ... § 2º Os limites estabelecidos na forma do art. 51, caput, inciso IV, do art. 52, caput, inciso XIII, do art. 99, § 1º, do art. 127, § 3º, e do art. 134, § 3º, da Constituição, não poderão ser superiores aos fixados nos termos previstos neste artigo. § 3º Cada um dos limites a que se refere o caput equivalerá: I - para o exercício de 2017, à despesa primária realizada no exercício de 2016, conforme disposto no § 8º, corrigida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de janeiro a dezembro de 2016; e II - nos exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do IPCA, publicado pelo IBGE, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de janeiro a dezembro do exercício imediatamente anterior. ...

O artigo 102 é fundamental para compreender o mecanismo. No caput são mencionados de forma explícita os três Poderes da União e ainda acrescidos o TCU, MPU e DPU. Isso foi feito para deixar claro que ninguém escapará de tal medida e também porque a Constituição faz a distinção entre esses órgãos que gozam de maior independência. O parágrafo segundo destaca as partes da Constituição que se refere à organização de cada um dos Poderes e dos órgãos citados, explicando que a contratação de pessoal, organização e manutenção de cada um deles não poderá exceder o limite fixado pela PEC 241.

Em seguida, no parágrafo terceiro vem a especificação do limite orçamentário que será imposto. Basicamente, o orçamento, em valores reais, será congelado. Pois cada orçamento é amarrado ao dispendido anteriormente, apenas sendo permitida a expansão para cobrir a inflação - a desvalorização monetária do período -.


§ 6º Não se incluem nos limites previstos neste artigo: I - transferências constitucionais estabelecidas pelos art. 20, § 1º, art. 157 a art. 159 e art. 212, § 6º, e as despesas referentes ao art. 21, caput, inciso XIV, todos da Constituição, e as complementações de que trata o art. 60, caput, inciso V, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; II - créditos extraordinários a que se refere o art. 167, § 3º, da Constituição; III - despesas com a realização de eleições pela justiça eleitoral; IV - outras transferências obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em função de receita vinculadas; e V - despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.

Aqui, há uma lista de itens orçamentários não inclusos nos limites da PEC 241. Os incisos de III a V são autoexplicativos. O inciso II trata de despesas extraordinárias com calamidades, desastres e em caso de guerra. Já o inciso I é importante. Esse trata das transferências que a União faz para os entes federados, principalmente nas áreas de educação e saúde. Apesar dessa liberação da restrição nas transferências para estados, municípios e DF, o congelamento do orçamento a nível federal irá, inevitavelmente impactar os demais entes e levar a um efeito em cascata na austeridade. Isso sem considerar que os estados, municípios e o DF também estão enfrentando de modo geral crises fiscais que provavelmente levarão a restrições nas aplicações de recursos provenientes de repasses da União.

Art. 103. No caso de descumprimento do limite de que trata o caput do art. 102 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, aplicam-se, no exercício seguinte, ao Poder ou ao órgão que descumpriu o limite, vedações: I - à concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores públicos, inclusive do previsto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição, exceto os derivados de sentença judicial ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime Fiscal; II - à criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; III - à alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV - à admissão ou à contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; e V - à realização de concurso público.

Aqui observamos as penalidades a serem implementadas caso seja descumprido o limite estabelecido. Esse é o elemento que completa o engessamento da máquina e a estagnação de qualquer possibilidade vindoura de crescimento ou ampliação da estrutura do Estado. Entretanto, muitas dessas penalidades já serão fortemente sentidas pela pura aplicação da medida, uma vez que a restrição do aumento real de gastos públicos poda fortemente a criação de cargos, admissão de pessoal e contratação de novos servidores por concursos. Conclusões Primeira conclusão tirada depois dessa análise é o ressurgimento da visão liberal, seja no mercado, seja no governo. A PEC 241 (esquerdismos a parte) é o reinício do ciclo liberal no Brasil que havia parado em algum momento durante o governo Lula. Mas agora, o que se observa é um liberalismo bem mais forte e focado na real e drástica diminuição da atuação estatal na economia brasileira. Os resultados disso só o tempo dirá, porém na década de 1990, apesar da ampliação comercial internacional do país e estabilização monetária, houve também a precarização extrema de serviços públicos que grande parte da população depende.

É preciso considerar também a inviabilidade de outra alternativa. As decisões que o país tomou na última década nos trouxeram ao presente estado de insolvência estatal, ou seja, a incapacidade do governo de cumprir com seus compromissos financeiros. Assim, a PEC 241, amargosa, restritiva, implacável e dilapidadora de direitos e garantias sociais é a opção que o governo encontra para atrair os investidores e mostrar que está comprometido com a contenção de gastos. Falando de investidores, também cabe ressaltar que a falta de capacidade do Brasil de se auto patrocinar, leva a essa necessidade e dependência dos desejos e humores do capital externo, o que leva a uma impossibilidade de autodeterminação do seu próprio rumo.

Finalmente, contrário ao que o governo vem tentando ludibriar a sociedade com discursos e palavras brandas para maquiar a realidade, dias sombrios aparecem no horizonte. Dias de serviços públicos altamente precários, invasão do capital externo em setores estratégicos como petróleo e gás, bem como a privatização de serviços que hoje temos como gratuitos e sem a garantia de que isso implicará na melhoria deles (vide o que passamos nas décadas de 1980/1990).

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