Se em tempos de calmaria, o governo já deveria cumprir a lição de casa, quanto mais em tempos incertos e turbulentos. Entenda a questão do dólar.
Nos últimos dias o dólar experimentou cenário de forte volatilidade. Bateu próximo a R$ 6,00 e depois recuou. E isso pouco depois de ter experimentado mais uma variação brusca. Mas afinal, porque no longo prazo o dólar está tendendo a subir?
A despeito da vontade de torcedores políticos, ou de governos, o dólar é o padrão de referência para as demais moedas. Não interessa se a pessoa gosta dos Estados Unidos ou não, a realidade é o que é. Por isso, é preciso levar em conta que os principais itens de consumo das pessoas são precificados em dólar, seja de forma direta ou indireta.
Exemplo: Talvez um dos mais marcantes seja o carro. É comum achar na internet preços de carros extremamente acessíveis nos EUA, pois lá as pessoas ganham em dólar e rapidamente conseguem comprar um bom carro. Um carro de 30 mil dólares pode ser um Camaro, um Mustang, alemães, etc. Aqui no Brasil, com 30 mil reais você compra um carro com pelo menos 10 anos de uso e ainda precisará desembolsar uma boa grana para arrumar o carro.
Essa realidade se deve a diversos fatores que vão desde realidade sociocultural até condições logísticas do país. Mas resumidamente, no Brasil, é caro demais ter um veículo por um custo de produção elevadíssimo com altos impostos, custo empresarial de produção caro, logística péssima (inexistindo praticamente o modal ferroviário no país), e uma sociedade que supervaloriza carros.
Tirando a supervalorização social dos carros, todos os outros pontos, são questões que precisam ser resolvidas pelo governo. Todos sabem os problemas, mas ninguém resolve. Ora, mas o que isso tem a ver com o dólar? Estamos falando de câmbio, não de produção industrial. Mas é aí que muitos se enganam, pois a produtividade industrial local do Brasil poderia aplacar em muito o custo de se ter uma economia exposta em excesso à volatilidade do câmbio.
No meu estudo de conclusão de curso em Relações Internacionais, me deparei com dados referentes ao quanto o risco-Brasil (índice usado para recomendar investimentos no Brasil) é correlacionado à variância cambial. O estudo foi realizado em 2014, e pelo que se observa 10 anos depois é que pouco mudou. A correlação entre essas duas variáveis é forte. Ou seja, quanto maior o câmbio, maior o risco-Brasil.
Isso não apenas quer dizer que o país precisa tomar muito cuidado com o dólar, mas indica que a economia brasileira está altamente exposta ao câmbio (que é por natureza incerto). Isso acaba levando à incerteza econômica e ao cenário de que o Brasil vive a reboque das condições externas. Foi o que aconteceu nos anos 2000 com o boom das commodities, e é o que acontece hoje com o risco de conflitos em todos os continentes.
Ora, mas se o que está sendo dito aqui é verdade, então de fato o dólar sobe por causa do cenário externo, e não pelo que o governo faz ou deixa de fazer, certo? Não, pois o problema aqui não é o cenário externo em si, pois isso sempre será algo duvidoso. A questão é: o que é feito para se diminuir a exposição a esse mundo caótico?
Nessa medida, enquanto o atual governo não reduzir significativamente a exposição da economia brasileira à volatilidade cambial, é preciso respeitar o dólar e usá-lo a seu favor. Um exemplo de quem sabe fazer isso bem é o agronegócio brasileiro. Ano após ano o agro sustenta o país e evita o PIB cair. Isso porque entendeu que você não luta contra o dólar, mas usa ele para se beneficiar.
E aqui o atual governo já começa a errar. A ideia do BRICS e da "desdolarização" do comércio internacional é burra, ineficiente e mera propaganda. A própria China usa o dólar para levar vantagem nas trocas comerciais com o Brasil e com outros países do mundo. Além disso, o verdadeiro ponto que é preciso abordar para resolver a questão é produtividade econômica e redução de custos.
Caso o Brasil queira de fato reduzir a incerteza econômica local, precisa cumprir com o dever de casa: redução de impostos para o produtor e consumidor local, eliminação da burocracia infinda do Estado brasileiro, diminuição das regulamentações que estrangulam empresas e indústrias, incentivos a empresas individuais e microempresas, investimentos pesados em logística com parceria privada (para compartilhar custos) e fornecer segurança jurídica para os empresários.
Sem essas medidas básicas não adianta ficar comprando ou vendendo dólar para controlar a flutuação cambial. O fato é que a volatilidade continuará e, com a maior incerteza internacional, a tendência é o dólar continuar subindo no longo prazo.
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