Por que o golpe de Estado em um país africano está gerando tanto burburinho? Qual o envolvimento da Europa na questão?
A África é uma história que se repete com o tempo. Déspotas militares (e civis) que vivem uma sucessão de golpes, mas em nomes disfarçados como República Democrática disso, ou Nação Libertária daquilo. É como se fosse uma ironia ou uma ilusão dos povos africanos de viverem em um mundo que nunca viram. E o caso de Níger não é diferente. Um país sem saída oceânica, pobre, com mais de 3/4 de território no imenso Saara, e que vive a realidade triste da pior região da África, o centro-oeste africano. Mas o que aconteceu?
Niger é um país com governo próprio, mas funciona como uma espécie de protetorado francês. Usa o Franco como moeda local (moeda essa que é produzida e distribuída pela França ao país e a outras nações africanas). Assim, Paris detém (ou detinha) completo controle em nações centro-africanas tanto para exploração econômica, como para controle político de acordo com seus interesses. Nessa égide, havia o então Presidente nigerino, Mohamed Bazoum, visto como um fantoche francês. Esse é o retrato da continuidade do colonialismo europeu em pleno século XXI, que tem na França o maior colonizador.
Com IDH baixíssimo (0,400), antepenúltimo da lista do índice, Níger é uma nação pobre, violenta e extremamente carente. Essa realidade não muda desde sua "independência" há 63 anos. Mas sendo assim, qual o interesse francês na pobre nação africana? A geografia traz uma resposta. Seu território, apesar de desértico e quente, inóspito aos padrões europeus, possui uma riqueza crucial: Minerais (em especial Urânio). Niger é o 6º país com maior reserva do mineral base para energia nuclear do mundo. E a França, por sua vez, uma potência nuclear, tanto na produção de energia atômica, quando no uso de armas nucleares. Esse triste retrato levou a uma instabilidade nos últimos anos no país.
E para compreender isso, é preciso observar a atuação cada vez mais forte e subjugante da China no continente. Os chineses começaram sua expansão na África já tem pelo menos uns 10 anos. Dentro de sua estratégia para estabelecer sua influência no mundo, o continente serviu tanto para testes de abordagens como para estabelecer a tática geopolítica conhecida como "colar de pérolas", estabelecendo controle de portos ao longo do litoral do Índico. Assim, os chineses ofereceram seu know-how em infra-estrutura e logística para as nações africanas a um custo bem inferior ao Ocidente. O resultado, o estabelecimento de uma real zona de influência chinesa na África subsaariana.
Por outro lado, há também que ser destacada a atuação forte do Grupo Wagner (tropa mercenária russa) na região. O Wagner é atuante forte na proteção de figuras importantes e segurança de políticos locais. Sob o comando de Prigozhin, aliado de Vladimir Putin, os mercenários também oferecem treinamentos de táticas de combate para guerrilhas locais, dando poder ao grupo de insuflar ou até promover nos bastidores movimentos de oposição política (o que na África geralmente significa golpe de Estado). O The Washington Post trouxe um artigo no qual alegou ter tido acesso a um relatório da CIA e do Pentágono, alertando que os EUA não estão se opondo de forma consistente aos avanços russos na África, principalmente através da atuação do Grupo Wagner. Inclusive, o relatório traz um reporte de que os mercenários atuam na desestabilização de regimes e governos locais para atender interesses russos.
Assim, o golpe promovido nos últimos dias em Níger trouxe à tona a disputa entre os dois mundos: o Ocidente vs. a Eurásia. Nessa "nova" Guerra Fria, países mais pobres como Níger não possuem muita escolha. Sofrem nas mãos de qualquer que seja seu dono. Pois, caso o golpe seja de fato bem sucedido e um novo governo se estabeleça, jornais russos já têm como certa a aproximação com Moscou do novo governo, além do acesso às riquezas minerais do país. O Ocidente, por sua vez, perderá mais uma porção importante da África para China e Rússia, pela negligência de décadas, pelo abandono de povos africanos que agora repudiam qualquer influência ocidental na região. Inclusive, a CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) avisou que não aceitará nenhuma intervenção francesa ou de qualquer nação do ocidente em Níger, inclusive lançando mão de apoio militar ao novo regime estabelecido.
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