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Democracia Digital: O voto eletrônico no Brasil é seguro?

Updated: Jul 2, 2021

A discussão em torno das urnas eletrônicas ganharam força após ser verificada a impossibilidade de auditoria nos votos e no caminho que ele percorre.



Falar em tecnologia e suas benesses à humanidade é comum. Graças à eletrônica e aos chips temos muitas regalias se compararmos com 70 anos atrás. Mas a informática traz seus percalços em alguns setores, e o obscurantismo que jaz nos códigos binários e nas redes que não são de domínio da maioria das pessoas, deixa dúvida em muitos procedimentos que hoje são regidos única e exclusivamente por meios eletrônicos. O mais notório desses processos é o pleito eleitoral brasileiro.


Mas por que a tecnologia não tem sido tão favorável assim para a democracia do Brasil? Para responder isso, é preciso fazer uma análise sensata e ponderada acerca do que seja um processo eleitoral. Nesse sentido, há 4 pontos que serão tratados: O que é o voto eletrônico; o que é a urna eletrônica; se existe de fato fraude nas urnas eletrônicas; e finalmente o porquê da desconfiança na informatização total da eleição.


1. O que é o voto?

Há diversas conceituações de voto, mas, a grosso modo, o voto é a manifestação popular de cada cidadão, em pleno exercício político, ao escolher quem o deverá representar em determinada esfera de poder público. Assim, há elementos do voto: O eleitor, que é quem escolhe o representante; o candidato, que é uma das opções a serem escolhidas para representar o cidadão; e a manifestação da materialidade da vontade, que é o exercício físico de escolher e registrar a escolha. Sobre essa materialidade, MAGRI (2018) fala sobre a instrumentalização do sufrágio, que é a concretização, a realidade material da vontade.


Contudo, há já um ponto que uma urna eletrônica nos moldes atuais prejudica o voto. Ao clicar no número do candidato que aparece na tela. O eleitor é levado a entender que no momento que aperta o botão verde CONFIRMA, o voto dele está automaticamente registrado. Mas não é bem assim. As urnas não possuem nenhuma materialização do voto, e só são conectadas à rede da justiça eleitoral, com fins de contabilização de votos, após o término da votação. O que pode apresentar sensação de segurança, por estar fora da internet, mas o voto do eleitor só é registrado, quando os dados são remetidos à justiça eleitoral, e essa, por sua vez, o valida, bem depois do eleitor ter manifestado sua vontade, e esse não poderá conferir se seu voto foi efetivamente registrado ao candidato no qual votou.


2. O que é uma urna eletrônica?

A ideia da urna eletrônica é a de facilitar, economizar e assegurar a lisura do processo eleitoral por um sistema indevassável. É como se o eleitor, assim como depositava a cédula em uma urna convencional, deposita sua vontade de forma virtual na urna eletrônica, que armazena os dados e depois os envia para apuração. Assim, a urna eletrônica, é um equipamento que armazena dados que representam os votos do cidadão, mas só os registra após o fim da votação, sem nenhuma comprovação além do próprio sistema da urna. Ótimo, certo? Mas há pegadinhas aqui.


Quando se tem um voto manifestado fisicamente, se respeita o elemento da manifestação física e facilmente verificável, quando há uma fraude. E é muito mais difícil gerar uma adulteração sistêmica em um comprovante impresso, do que num sistema integrado virtual. O que se percebia de fraudes no período anterior à urna eletrônica, eram tentativas grotescas e localizadas de alterações perceptíveis na maioria dos casos. Porém, nas urnas eletrônicas, a fraude pode ocorrer de forma muito diferente.


3. Existe de fato fraudes nas urnas eletrônicas?

A resposta a essa pergunta é categórica: Não se sabe. E só essa resposta já gera calafrios aos que defendem a democracia em seu sentido genuíno. MAGRI (2018) evoca a origem genuína da democracia:


A palavra DEMOKRATIA, tendo por base duas palavras gregas: DEMOS, que significa “povo, cidadão, distrito” e KRATOS “Domínio, poder”, o que nos traz o significado de “poder do povo” ou “governo do povo”.¹

Sim, mas o que há de novo aqui afinal? O primeiro ponto é perceber que quem está no poder não o cederá pacificamente. Assim, após o período de primavera democrática no final do séc. XX, começaram a aparecer regimes democráticos autoritários. Pode parecer paradoxal, mas MAGRI (2018) em sua elucidação sobre a democracia atualmente, elenca os exemplos que temos de regimes autoritários com eleições como Egito, Coreia do Norte, China (e acrescentaria a Venezuela). A diferença está justamente no elemento de origem de poder. Em democracias opacas e autoritárias, o poder emana de eleições pouco transparentes e sobre as quais paira a desconfiança.

Nesse sentido, o questionamento às urnas eletrônicas surgiu desde sua gênese. O político Leonel Brizola já levantava na década de 1990, quando da implementação do sufrágio virtual, a desconfiança sobre o processo, por não se saber se o voto do eleitor era de fato computado como manifestada a sua vontade. Adiante, após perceber a forte rejeição da ex-Presidente Dilma Roussef em 2014, o PSDB solicitou uma auditoria independente nas urnas eletrônicas, a qual não pôde concluir se as urnas eram fraudadas, pois, após o voto ser registrado, não se sabia o que acontecia com o registro.


4. Por que a desconfiança na urna eletrônica?

Algo que parece claro aos críticos de eleições totalmente eletrônicas é que esses não pedem o retorno ao voto impresso como antes dos anos 1990. Não se pede o fim da votação eletrônica, mas o que é solicitado é o respeito e consumação do voto em sua forma completa com o elemento que ficou ausente na evolução tecnológica do sufrágio brasileiro, que é justamente a concretização do voto no ato.


Como dito, o voto em urna eletrônica, sem a manifestação física desse, não gera nenhum ato naquele momento, pois a urna armazena aquela informação de forma indevassável. Mas qual o problema disso?Afinal o voto é secreto. MAGRI (2018) traz a luz o elemento do escrutínio. A conferência dos votos é feita pelo registro redundante. Entretanto, esse registro é feito no mesmo sistema operacional das urnas, e, após a votação, é colocado junto com o registro original no mesmo pen-drive que depois será conectado ao banco de dados da justiça eleitoral para transmissão dos dados.


[...] um ponto central para a robustez e segurança do sistema eletrônico de votação com registro complementar em papel é o fato de termos dois registros sendo feitos em mídias de natureza diferente, uma eletrônica (na memória interna), e outra física (em papel) ao mesmo tempo, e validadas imediatamente pela conferência do próprio cidadão eleitor.²

E indo além da questão do escrutínio meramente por esse fator de vulnerabilidade, no momento da transmissão dos dados das urnas para o banco de dados, há a possibilidade de alguém, que esteja conectado à rede, efetuar a fraude mesmo sem que essa rede esteja ligada à internet. E novamente, só uma comprovação física dos votos poderia identificar a discrepância.


5. Conclusão

Os avanços tecnológicos de forma indiscriminada e sem o lastro real trouxeram a dúvida e a opacidade ao processo eleitoral brasileiro. A respeito disso, Rubio (2015)³ cita: "[Pleito] Moderno e rápido mas não transparente também não contribui para a legitimidade das eleições. O abandono do voto eletrônico por decisão do Tribunal Constitucional Alemão o deixou bem claro". A informática solucionou os problemas da época, porém trouxe outros, e que parecem ser de potencial danoso muito maior.


No voto impresso de antigamente, as fraudes eram grotescas e facilmente identificadas. já no voto eletrônico, é necessário conhecimento técnico, e é possível alterar toda uma votação, e não somente um ou outro voto, o que gera consequências catastróficas. O exemplo da eleição de Dilma Roussef em 2014 é claro. Uma candidata que ganhou por uma margem apertadíssima, sob fortes acusações de fraudes. Posteriormente sua impopularidade ficou clara pelo seu impeachment (processo esse que, na visão de especialistas políticos, só são levados a cabo, mediante forte apoio popular).


Portanto, falar em voto eletrônico no Brasil hoje, concebendo o sistema da urna eletrônica como está, não é seguro. E não por haverem provas de fraudes, mas justamente por não ser possível obter as provas junto aos instrumentos de votação. E uma democracia opaca e sobre a qual paira a desconfiança, tem exemplos fartos atuais de que não é saudável. Mas sim, campo fértil para o autoritarismo e a opressão. Afinal, quem tem medo de ser auditado, é ditador, quem teme ser transparente é tirano.


Referências:

1. MAGRI, 2018, p. 7.

2. MAGRI, 2018, p.14.

3. RUBIO, 2015, p. 2.


Bibliografia:

RUBIO, Delia Ferreira. O voto eletrônico não é a solução. 2015. Disponível em https://cursos.vialibre.org.ar/pluginfile.php/646/mod_resource/content/1/O%20voto%20eletronico%20nao%20e%20a%20solucao.pdf, acessado em 10 de maio de 2021.

MAGRI, Humberto Luis. A importância da adição do voto impresso à urna eletrônica como incremento de segurança procedimental e jurídica. (2018). Disponível em http://rdu.unicesumar.edu.br/handle/123456789/737, acessado em 10 de maio de 2021.

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