O segundo texto da mais nova sequência de artigos, demonstra como a guerra híbrida se desenrola no campo das ideias.
O Sociedade Inteligente continua a série de artigos "Guerra Híbrida". Após a apresentação inicial, é fundamental abordar o primeiro campo de luta que é fomentado nos conflitos de 5ª geração: O campo das ideias. Uma zona que é a base dos conflitos desde quando o mundo é dominado pelos seres humanos. Compreende a oposição de duas ou mais visões de mundo que se colocam frente a frente em debates e discussões. Na atualidade esse embate intelectual e psicológico no entanto possui uma característica diferenciada dos demais períodos históricos.
As guerras estão presentes na história humana como resultado da cobiça, egoísmo e intolerância. E, via de regra, o lado vencedor é quem conta como foi a história do conflito, o que nos faz repensar muito sobre se de fato a história aconteceu como a conhecemos. Esse poder de contar a história dos fatos é fenomenal, pois tornou-se um campo do conhecimento humano e dita muito sobre como evoluímos. Assim, falar em guerras é falar em ideais e ideologias antagônicas em luta por dominação. Na antiguidade, os persas comandados pelo Rei Xerxes, com a ideia de subjugar povos ao domínio do monarca, um reinado autocrático e com muito misticismo, lutaram contra as cidades-Estado gregas que se uniram com ideais de liberdade do indivíduo, racionalidade humana e democracia.
Na era feudal, houve a guerra dos Cem Anos. Na verdade foi um período de conflitos entre Inglaterra e França na disputa pelo trono francês. Essa guerra causou séria oposição entre a cultura francesa e inglesa, que até hoje gera rivalidade e animosidade entre os dois países europeus. Aqui era mais uma clássica oposição entre nações, na qual ingleses e franceses entraram em embates por anos e anos, pelo controle da França. Outro exemplo mais adiante, no séc. XIX, foi o conflito franco-prussiano. Nessa guerra, franceses e prussianos combateram por ideais nacionalistas e românticos, buscando resgatar um passado de glória. A Alemanha usou a ideologia de que os povos germânicos precisavam resgatar os tempos do Sacro Império Romano-Germânico, e os franceses se remeteram ao tempo áureo das conquistas de Napoleão no início do mesmo século.
No séc. XX o grande destaque fica para talvez o primeiro conflito que fez uma ideologia transcender fronteiras: A Segunda Guerra Mundial. De um lado o Eixo composto por países autocráticos, com a Itália e a Alemanha tendo seus partidos originados de ideais esquerdistas como o socialismo, porém migrando para vertentes diferenciadas: O Nacional-Socialismo e o Fascismo. De outro lado o alinhamento pragmático entre EUA, Reino Unido e União Soviética (URSS), democracias ocidentais e uma autocracia comunista que viram no Eixo um inimigo comum para uma momentânea aliança. Tanto, que após a II Guerra foi a Guerra Fria, talvez o primeiro conflito que tinha em seu âmago não a nacionalidade, mas sim a ideologia.
A Guerra Fria foi o conflito do séc. XX que mostrou o poder de uma ideologia em opor pessoas de mesma nacionalidade. Tanto no Ocidente quanto na URSS, comunistas e capitalistas insurgentes eram perseguidos, interrogados e até assassinados por compatriotas. No período também foi quando se usou fortemente a máquina de informação, seja por mídias privadas no ocidente, através de pagamento e patrocínio, seja por mídias estatais e omissão de informações na URSS. O conflito que durou por 45 anos praticamente, foi o primeiro a inaugurar uma série de táticas vistas em larga escala nas atuais guerras híbridas.
Finalmente no séc. XXI, com a aceitação por parte do campo das Relações Internacionais, de atores não-estatais no caótico Sistema Internacional, o surgimento dos conflitos chamados de 4ª geração ou guerras híbridas ocorreu com o uso de táticas usadas na Guerra Fria e a inauguração de novas com o advento de um sistema financeiro internacional e a internet. Assim, do ponto de vista ideológico, aquele ente interessado no enfraquecimento de um inimigo, seja uma empresa querendo retirar um governo, um governo querendo enfraquecer outro, uma empresa desejosa de derrubar outra empresa concorrente, órgãos internacionais querendo colocar governos mais alinhados com seus objetivos, todos esses atores agem no fomento de ideologias de acordo com seus interesses, seja para fortalecer seus aliados ou para minar um inimigo de dentro para fora, sem a necessidade de usar vias mais concretas de guerra.
Um exemplo dessa tática atual, é o fomento dos chineses de movimentos esquerdistas e o alinhamento com parlamentares brasileiros para enfraquecer o governo Bolsonaro, o qual é mais alinhado com os Estados Unidos, opositor chinês na geopolítica global. Há também o mesmo movimento chinês que foi observado através de apoio a desinformações e táticas ideológicas disruptivas na África, na Argentina, Venezuela, e mais recentemente na retomada do Talibã no Afeganistão. Conclui-se que as ideologias são uma das armas atuais nas guerras híbridas para opor dois lados dentro de uma região, país, empresa, entidade ou órgão internacional, com a finalidade de gerar confusão, embate, discordância, podendo até chegar a conflitos mais diretos internos, o que enfraquece pela divisão interna do inimigo. A grande diferença de outros períodos históricos é a falta de vínculo necessário com a nacionalidade e com o Estado. Pode-se ter entes não-estatais fomentando um conflito ideológico, apoiando o lado que for favorável e que no futuro, vencedor, apoie seus interesses.
Continue seguindo o Sociedade Inteligente para o próximo artigo da série Guerra Híbrida e compartilhe nas suas redes sociais.
Comments