Um novo mundo com uma nova potência desafiante dos EUA.
A primeira grande crise do século aconteceu. Quando achava-se que o crush do mercado financeiro dos EUA em 2008 seria "A Grande Depressão" do século, 2020 surpreendeu com a pandemia de Covid-19 e trouxe o primeiro evento desde o 11 de setembro que poderá de fato reorganizar o cenário internacional. Um novo rearranjo em torno de uma "II Guerra Fria" liderada por EUA e China pode ser visto, porém sem que esses líderes sejam coerentes e coesos, mas ambos inseridos em um mundo mais caótico e com mais players, os quais outrora não tinham participação na geopolítica global.
Apesar da nova polarização internacional, há muitas diferenças entre a Guerra Fria do séc. XX e a atual. Abordarei três aspectos que julgo fundamentais nesse novo conflito de posições: A não necessidade de alinhamento inteiriço entre países de um mesmo pólo, a internet como campo de batalha e os interesses de EUA e China como líderes de cada lado. Esses pontos são apenas para um panorama geral, e por se tratar de algo novo na geopolítica global, há carência de mais eventos e dados para uma análise aprofundada.
Antes de entrar nos fatores destacados, a pergunta óbvia: Afinal, sobre o que é essa "II Guerra-Fria"? A despeito do antagonismo entre EUA e China, é a primeira vez que se vê uma guerra cultural efetiva em escala global. Esse conflito é independente de fronteiras e nações, estabelecido entre Progressismo Globalista e Conservadorismo Liberal. Não vou falar sobre essas teorias, pois já as abordei no artigo: Progressismo global x Conservadorismo liberal - A guerra ideológica do século. Com essa abordagem, não é possível traçar paralelos entre o atual conflito de posições e aquele da era da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Cabe realizar a análise de fatos atuais e apenas o nome Guerra Fria refere-se à identidade do conflito. Pois não se trata de um esgotamento da diplomacia e a chegada a um conflito armado entre os lados, tão somente um antagonismo real entre duas posições políticas, filosóficas, sociológicas e econômicas.
Algo que já vem sendo motivo de estudo no campo das Relações Internacionais desde o início do séc. XXI no Pós-Guerra Fria, é uma diminuição na importância dos Estados-Nações no globo e o surgimento de novos atores. Corporações privadas multibilionárias ou até trilionárias surgiram mais poderosas do que a maior parte dos países. Adicionado a isso, há a popularização da internet que permitiu na última década a ascensão desses (e outros) atores como reais players supra-estatais. Pode-se ver a interferência clara de políticas de corporações no comportamento social e na vida de pessoas mundo afora, independente de países. E essa influência não é somente feita por empresas privadas com fins lucrativos, mas entidades não governamentais poderosas como as famosas ONGs também tem se destacado na ação internacional, em somatório a grupos de redes sociais sem nem terem proposta de entidade, porém atuantes como um ente que defende as posições de seus integrantes.
Soma-se a essa questão a atuação de grupos de pessoas que, de forma cibernética e física, tentam desestabilizar governos, a economia global, usando de táticas como a revelação de dados sigilosos, ações físicas tramadas no obscuro da rede mundial de computadores e as forças de pressão de marketing e econômica sobre as grandes corporações. Esses grupos, apesar de muitas vezes condenados, conseguem interferir mundialmente, levando a mudança de posturas, proposituras de novas leis e alterações de valores de companhias. Isso denota a atual importância do mundo virtual da internet como maior campo de debate e batalha entre diversos grupos de óticas que variam muito mas no grande escopo macro podem ser elencadas entre grupos Progressistas e grupos Conservadores. Os defensores do Progressismo são mais tendentes a posições de esquerda, mais afinados com promoção do bem-estar social em detrimento da liberdade individual, priorização da segurança social, controle, vigilância e tendências mais autoritárias. Já quem é atuante pelo Conservadorismo busca a liberdade individual maior, o respeito às tradições dos povos (mesmo que incômoda a alguns grupos), limitação do poder estatal para essencialmente proteção contra anarquia social e fiscalizador sem intervir nas decisões pessoais do indivíduo que não limitem direito de outrem.
Certo, se os Estados-Nações não são tão relevantes como no passado, quais os interesses de EUA e China nessa nova Guerra-Fria? O principal é o que todos os governos estatais querem: Capital para si, que se reverte em desenvolvimento econômico e consequente arrecadação dos cofres públicos. A China nesse ponto tem uma vantagem e um desafio ao mesmo tempo. A China possui uma mão-de-obra muito barata, o que atrai cada vez mais empresas (inclusive de origem dos EUA) para produzir na "terra do dragão". Contudo o desafio está em justamente, para que o Partido Comunista Chinês consiga evitar a revolta popular, trazer o mínimo de desenvolvimento socioeconômico para mais de 1 bilhão de pessoas. Não apenas isso, mas também evitar, em um mundo cada vez mais cibernético e sem fronteiras, justificar uma mão de Estado pesada e forte. O que tem funcionado até o momento é a manutenção de um ambiente favorável ao capitalismo voraz que busca a produção ao menor custo possível, mesmo que em detrimento de liberdades e direitos humanos. Algo que, na minha opinião, até aproxima bastante o Partido Comunista Chinês a regimes fascistas como o italiano.
Já nos EUA há diversos desafios. Pois vive-se no país, como em todo mundo, a guerra cultural. Esse conflito gera desavenças internas que tornam a autoridade do governo central enfraquecida por vezes. Nesse ponto, um regime ditatorial consegue eliminar quem discordar e manter seu curso de forma mais fácil, contudo a um preço de vidas humanas inadmissível. Além do desafio democrático, os EUA possuem custos de produção muito mais elevados do que os chineses, por uma mão-de-obra bem mais qualificada, com direitos e exigências feitas para manter o famoso American Way of Life (já visto como insustentável). Mas, há forças também no "ninho da águia". O poder de influência cultural e econômico dos Estados Unidos são inquestionáveis, além do avanço tecnológico ímpar. Caso tudo falhe, Washington possui a arma final: Apesar da China também possuir armas nucleares, sua capacidade comparada aos EUA é reduzida. Em uma Guerra Fria, espera-se que o uso nucelar seja apenas dissuasório e jamais efetivo. Logo, em termos militares convencionais, o Pentágono conta com a mais vasta, mais bem equipada e mais preparada força militar do mundo, o que coloca também Pequim em desvantagem nisso.
Então, a II Guerra Fria é feita aos moldes do século XXI. Com os Estados-Nações não tão protagonistas, mas ainda atuantes como pólos. O que diferencia radicalmente esse antagonismo atual ao observado entre EUA e URSS no séc. XX é principalmente a participação de atores privados com força e capacidade real de interferência no cenário internacional. Grandes conglomerados tecnológicos, empresas transnacionais gigantescas, grupos de pessoas defensores de um posicionamento e entidades não governamentais, todos atuam no campo de batalha, a saber, a internet e as redes sociais. É uma guerra que aniquila reputações, que interfere em ações e movimentações no mercado financeiro internacionalizado. Altera decisões políticas de governos e promove avanços ou em direção ao Progressismo Global, ou ao Conservadorismo Liberal. É um panorama mais representativo, porém menos organizado. O maior resultado desse caos que mundo vive é: A identificação do planeta Terra, como um único "país" para toda a humanidade. Eu não gosto dessa perspectiva, justamente por demonstrar que o Progressismo Global ganha com essa perspectiva. Mas isso não o faz deixar de ser o caminho pelo qual estamos seguindo.
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