Além de criar reserva de mercado, os russos pretendem utilizar estratégia já conhecida para driblar sanções e conseguir realizar trocas comerciais na África.
Com o fim do acordo de grãos que viabilizava a exportação de cereais e grãos pelo Mar Negro, a Rússia está movendo suas peças no jogo geopolítico para garantir driblar os efeitos das sanções ocidentais. Esse movimento envolve o acordo de cereais firmado entre Rússia e Ucrânia, com a intermediação da Turquia, e os golpes sucessivos em países da África, que tinham governos alinhados com países europeus (em especial a França). Com esse cenário, Putin tem feito movimentos econômicos e geopolíticos para se posicionar no continente e driblar punições que impedem certos acordos comerciais.
Em 2022, a guerra Rússia vs. Ucrânia causou um problema sério na exportação de cereais que era um dos carros-chefes da economia de Kiev. O bloqueio às exportações ucranianas levou a uma crise em preços de alimentos e outros elementos mundo afora, e a pressão cresceu para um acordo que viabilizasse aos grãos chegarem aos destinos. Assim, foi elaborado um acordo, entre os dois lados do conflito. Mas, os russos se retiraram do acordo no início desse ano, sob alegação de que seus navios mercantes não conseguiam realizar suas trocas. Segundo o Kremlin, as contrapartidas incluídas no acordo original – que a Rússia também poderia exportar os seus cereais e fertilizantes – nunca foram concretizadas, pois as sanções internacionais limitam as transações com bancos russos e companhias seguradoras recusam-se a trabalhar com intermediários do país.
Assim, surge o cenário africano vivenciado hoje. Níger e Gabão são alguns dos países que sofrem tumultos internos com a crescente influência sino-russa na região. E Putin anunciou, hoje, que rejeita a criação de um novo acordo de grãos, por não atender mais aos interesses de Moscou tal acerto. Em encontro com o Presidente turco, Tayyip Erdogan, Putin observou não se interessar no acordo e afirmou que a Rússia levará seus grãos e cereais diretamente aos africanos e de forma "gratuita". Obviamente que muitos desses países africanos, por comercializarem em franco e dólar, não poderiam negociar comercialmente em moeda com os russos. Entretanto, Putin pode recorrer a uma tática comum utilizada pelos russos: uma espécie de escambo de "favores".
Países africanos possuem riquezas minerais, naturais e custos de mão-de-obra inacessíveis para os russos. Dessa forma, na troca pelos grãos e cereais, oferecidos "gratuitamente" aos novos governos alinhados com Moscou, Putin deverá pedir recursos como urânio (no caso de Níger, que é um dos maiores exportadores mundiais), e petróleo e manganês (no caso do Gabão). Obviamente que não apenas russos se beneficiam, mas a aliança sino-russa, e o enfraquecimento da influência do Ocidente na região levam à China uma boa oportunidade também.
Os russos já utilizaram desse mecanismo com o Brasil, nos seus corriqueiros embargos da produção de carne bovina e suína. No governo Dilma, Putin inclusive pressionou para que o Brasil, mesmo com sua tecnologia militar voltada para o Ocidente, adquirisse equipamentos militares russos. Em troca, Moscou retiraria o embargo imposto à pecuária brasileira. Poucos anos antes, o Brasil adquiriu os polêmicos e custosos helicópteros AH-2 Sabre (modelo Mi-35) dos russos. A curta carreira desses equipamentos revelaram a incompatibilidade da aviônica e tecnologia ocidentais com russos.
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