A Venezuela anunciou um referendo para anexar toda a região de Essequibo, atualmente pertencente à Guiana. Como isso aconteceu e por que só agora?
O Brasil, principalmente com o governo do PT, gosta de se vender como o líder regional da América do Sul. Mas não é de hoje que a realidade desmente o alegado poder da diplomacia brasileira. Quem não se recorda do caso da nacionalização das usinas da Petrobrás na Bolívia sem indenização ao governo brasileiro? Ou da preferência chilena em aproximar-se aos EUA do que ao Brasil? E agora, mais uma vez a inépcia diplomática do país é demonstrada com a instabilidade territorial ressurgindo no continente.
Que a Venezuela reclama para si a rica região de Essequibo não é novidade. Após perdê-la em disputa arbitral. Mas como se chegou a essa disputa? Em um período republicano com muitas instabilidades nos anos de 1890, a Venezuela buscava uma disputa territorial externa dentro fatores de riquezas minerais, a estabilização de unidade do país contra um inimigo estrangeiro. Assim, os venezuelanos começaram a reivindicar toda a área da bacia do rio Essequibo. Essa área incluía uma porção do território do Brasil, porém a Venezuela mirou no vizinho mais fraco, e reivindicava com maior interesse a Guiana Essequiba. O problema é que a Guiana na época era território inglês, e os britânicos não aceitariam ceder a porção rica em minerais de um território aos venezuelanos. Portanto, em 1897 foi assinado o Tratado de Washington por Venezuela e pela coroa britânica.
O tratado previa que uma corte arbitral resolveria a questão de Essequibo. Seria composto um plenário de cinco juízes: Dois indicados pelos britânicos, dois pelos venezuelanos e o quinto deveria ser de comum acordo entre os quatro juízes. Esse quinto seria o presidente do tribunal arbitral. Além disso, era explícito no texto do tratado que a decisão final emitida sobre Essequibo pelos juízes seria aceita por ambos os países e inquestionável após o fim dos trabalhos. Vale lembrar que o tratado foi ratificado no Congresso venezuelano. Assim, o tribunal foi criado em 1898. Após meses de trabalho recebendo cartas, petições de ambos os lados e sustentações orais de equipes jurídicas dos dois países, em outubro de 1898, a corte chegou a uma decisão final: A região pertencia aos ingleses. A maior parte da região a oeste do rio Essequibo pertencia aos britânicos.
O território concedido aos britânicos (em nome da Guiana Britânica colonial) incluía um bloco de 4.000 milhas quadradas (aproximadamente 7 mil km²) ao sul das montanhas Pakaraima, limitado pelo rio Cotinga a oeste, pelo rio Takutu ao sul e pelo rio Ireng a leste e norte. Esta porção de território, originalmente reivindicada pela Venezuela em seu caso perante o tribunal arbitral, foi concedida ao Brasil em 6 de junho de 1904, após outra arbitragem conduzida pelo Rei da Itália depois que o governo brasileiro reivindicou a propriedade com base na ocupação histórica. Assim, estabeleceu-se as fronteiras conhecidas até os dias atuais.
Contudo, os venezuelanos agora, sob o regime autocrático de Nicolás Maduro questiona mais uma vez a posse sobre Essequibo. O questionamento surge em um momento muito oportuno para o governo venezuelano: O país possui o atual e fraco governo de Joe Biden ao seu lado, comprando petróleo venezuelano e nutrindo o regime ditatorial com dólares, o país possui apoio direto de chineses, russos e iranianos na área militar, e o Brasil agora tem um governo forte aliado. A configuração de um cenário ideal para a sanha conquistadora dos venezuelanos se acender, e Maduro viu a janela de oportunidade e não perdeu tempo ao convocar o referendo para a anexação de Essequibo.
O referendo fará perguntas à população, em dezembro próximo, sobre a decisão da corte arbitral de 1899 e sobre o Tratado de Washington. Mas, as perguntas enviesadas já afirmam que a decisão da corte é fraudulenta, e já tende o votante para ser favorável à anexação do território. Fato é que fica difícil acreditar em qualquer instrumento "democrático" na Venezuela, que recentemente expulsou fiscais internacionais nas eleições primárias da oposição, além de manter Maduro no poder por muito mais do que ele deveria ficar de fato. E dessa forma, já é muito provável saber que o referendo irá ser favorável à anexação de Essequibo.
Mas e então? O que acontecerá a partir disso? A Venezuela poderá apelar diplomaticamente para mecanismos internacionais, mas dificilmente será vitoriosa, já que a decisão de 1899 é reconhecida internacionalmente. Aí, Caracas terá duas opções: Montar uma corte com aliados (Rússia, China, o governo Lula) para corroborar de alguma forma que a região pertence à Venezuela, e aí levar sua queixa embasada para organismos maiores como OEA. Ou então esquecer a diplomacia que dificilmente trará um resultado favorável e partir para uma ocupação ostensiva da região. Aí entraria na área militar tática, e nesse ponto, os venezuelanos possuem uma vantagem muito superior aos guianeses.
A Guiana possui uma força de defesa muito pequena, que conta com um efetivo que gira em torno de apenas 4.000 combatentes ativos e 3.000 na reserva. Praticamente não possuem aeronaves de combate, poucas dezenas de blindados Cascavel e Urutu de fabricação brasileira e só. Por outro lado, a Venezuela possui uma força esmagadoramente superior com blindados, caças e um efetivo dentre as Forças Armadas regulares e as milícias governamentais de quase 500 mil combatentes. Dessa forma, em um combate ou ocupação forçada de Essequibo, não há a menor chance de resistência da Guiana. O que pode desencadear ações de agentes externos dentro do continente sul-americano, já que o Brasil provavelmente se recusará a ir contra o aliado de Lula.
Portanto, a diplomacia brasileira, na sua ânsia por fazer propaganda de si mesma, mais uma vez se demonstra fraca e incompetente. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, os venezuelanos jamais pensariam em fazer algum referendo nesse sentido, por saber que o governo brasileiro retaliaria de imediato. Agora, com um governo aliado de ditadores imperialistas, Maduro vê a oportunidade de anexar um território que não é seu e ainda expor a região a uma instabilidade que pode se alastrar para outras questões territoriais.
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