Engenharia social é um processo lento que leva gerações. Por isso as vezes é preciso um "empurrãozinho".
Ruas com poucas pessoas, novas soluções em tecnologia, autoridade estatal coagindo ao distanciamento social, vigilância. Seria esse o retrato da nova sociedade pós-Coronavírus? O presente ensaio compreende apenas um exercício de observação dos fatos atuais e o que houve com a nossa civilização nos últimos tempos, para tecer possibilidades futuras que não são tão fantasiosas assim. Ao leitor, cabe ressaltar que não se trata de um exercício científico, e, se o dito aqui é certo ou não, o tempo dirá. Apenas acredite ou não.
1. A receita para uma mudança drástica em uma civilização: Pânico e contenção.
Observa-se que as sociedades conforme a evolução humana sempre dependeram de três fatores básicos para se manterem: Interação entre grupos de pessoas, comunicação e meios de locomoção. As pessoas nos primórdios se mantinham nesses pequenos grupos tribais, familiares que depois evoluíram para povos que finalmente chegaram à ideia de Nação com não apenas o agrupamento de pessoas, também um território para residência e explorasse. Isso foi expandido com o Estado-Nação, onde para a autoridade ser respeitada, há o fundamento da Lei e da Ordem, e para garantir esse fundamento, as regras precisam ser seguidas. Com isso, o "monopólio" do uso da força instituído na noção de Estado Moderno, trazia através do medo da punição a garantia de que as ordens seriam seguidas.
Esse monopólio com o passar dos séculos mostrou-se falho com os avanços tecnológicos e as instabilidades institucionais locais devido à proximidade entre autoridade e povo, levando grupos locais e indivíduos proeminentes a desafiarem a ordem instituída. Revoltas, insurreições, movimentos separatistas, luta contra a opressão do Estado e finalmente o terrorismo. Exemplos que não apenas os grupos de pessoas são importantes, a comunicação entre pessoas também é fundamental. Movimentos insurgentes são dotados de criatividade para se comunicarem e transmitirem informações que possam manter atualizadas suas linhas, a respeito daquilo que o inimigo, bem superior e mais preparado está planejando. Os terroristas fizeram uso mais recente das comunicações via internet (um notável avanço tecnológico humano do séc. XX) para disseminar suas ideias, planejar e coordenar ataques em diversas áreas do globo, mesmo com os agrupamentos distantes. Portanto, a internet precisa cada vez mais de monitoramento para detecção de ameaças.
Contudo, uma sociedade não é composta somente desses grupos insurgentes, mas em sua maioria de pessoas que aceitam (de bom grado ou não) o governo instituído para reger as regras e organizar a Nação. Essas massas, que representam a esmagadora maioria do povo, caso pudesse se organizar e se levantar contra o Estado, o faria "refém de sua vontade" (parafraseando alguém conhecido de nossos dias). Assim, um levante não pode ser feito sem a mobilização social o que inclui a capacidade de locomoção física de pessoas para protestos e até uma destituição do Poder. Logo, a autoridade estatal que, seja por iniciativa própria, ou por um acaso do destino (como uma pandemia global que mantém todos em casa), fica numa posição bem mais confortável de exercer seu poder e de desmobilização de massas contra si. E, com essa contenção, basta focar nos grupos minoritários radicais e no monitoramento social o máximo que puder.
2. O mundo que existia em janeiro não existe e muito provavelmente não voltará a existir
Até alguns meses atrás, as pessoas iam e vinham sem grandes preocupações com sua saúde, uma vez que a possibilidade de adoecer em meio a um mundo cada vez mais interligado não era maior do que o que se percebia localmente no dia-a-dia. O risco de uma pandemia global, após o ocorrido em 2010 com o vírus H1N1 parecia não ter se concretizado, já que aquele, apesar de ter causado óbitos, não chegou a causar grandes problemas, pois logo foi contido. Todavia, especialistas alertavam para os riscos vindo de costumes não higiênicos e a falta de vigilância sanitária em certos locais do mundo (como nos famosos "mercados molhados" chineses). Mas o medo da crise que um vírus ligeiramente mais letal do que o H1N1 poderia gerar fez com que as respectivas autoridades não tomassem providências e em 2019/2020, um mais letal que o antecessor encontrou a forma de se proliferar em humanos o que nos levou ao atual confinamento e restrições de locomoção.
Certo, e então? Como ficaremos no depois? Verdade seja dita, há especialistas que acreditam na realidade que viveremos entre momentos de liberdade e momentos de confinamento até que o Coronavírus atinja uma taxa de 60% da população imunizada, o que impediria novo surto. Contudo ainda não é o fim. A maior calamidade do século XXI até então, precisa ser impedida de se repetir, isto é, medidas precisam ser tomadas para que um novo vírus não faça o mesmo ou ainda um estrago pior. E é por isso que dificilmente voltaremos a uma realidade que vivíamos em janeiro de 2020. Pois vigilância, cerceamento de certos deslocamentos, Estados (nacionais e global) serão reforçadas nessa Nova Ordem Global.
Um dos principais problemas da proliferação, que teve sua origem identificada na China (ou seja, não é sectarismo ou racismo falar que é um vírus chinês), foi a rápida proliferação e contágio, bem como a falta de instrumentos de ação e coerção a nível global. O que se tinha eram autoridades estatais locais, cada uma com suas regras e com suas realidades, tentando acobertar a gravidade (na origem do vírus) e buscando soluções que se mostraram desastrosas, o que contribuiu ainda mais para o espalhamento do mal no Ocidente (como no caso italiano). Portanto, foi o maior exemplo global de falta de coordenação por falta de Poder, ou seja, atitudes desiguais levaram a resultados desiguais ao redor do mundo. E como a humanidade desde seus primórdios resolve problemas de conflitos de autoridade?
A comparação entre Brasil e a America Latina nos traz o exemplo de como são resolvidos conflitos de autoridades. A América Latina se na sua independência do domínio espanhol se fragmentou em diversos Estados, o que gerou uma série de pequenos países fracos e com baixo poderio socioeconômico. O Brasil, por sua vez, comparativamente à região, formou-se em um único Império com um governo centralizado e una, rechaçando e aniquilando as revoltas e separatismos, o que levou a um Estado forte (novamente comparando com a região em que se insere). Outros exemplos poderiam ser citados, como a união das Treze Colônias Britânicas, a formação do Estado russo, e mais recentemente a ideia da União Européia que ainda engatinha por problemas internos dos países e a não instituição de um poder central que resolva os conflitos. Mas de forma geral, a humanidade encontra solução para conflitos de autoridades através da instituição de uma superior, suprema e soberana, o que ficou notório na crise atual, com a falta de coordenação na contenção da pandemia que vive-se hoje, devido à conflitos entre autoridades mundiais.
3. Um Novo Mundo: Vigilância, Segurança e depois Liberdade
Após o surto em Wuhan - China, ter diminuído ao ponto de as pessoas poderem sair às ruas novamente, o governo chinês solicitou suas gigantes tecnológicas Alibaba e Tencent para o desenvolvimento de um aplicativo que ao ser baixado pelos usuários, identificam onde o usuário se encontra e o risco que essa pessoa pode ter para contrair o vírus. O QR Code não apenas gera um código para cada cidadão, mas também tem uma coloração de acordo com o nível de risco de contaminação. Aqueles com maior risco, recebem o QR Code vermelho e recebem uma "sugestão" para ficarem em casa.
Esse é um primeiro exemplo de como é possível usar uma tecnologia (há 10 anos impensável, mas hoje em dia muito simples), para monitoramento de pessoas "predispostas a contraírem alguma doença". E se essa doença fosse sua liberdade de expressão? Enfim... Voltando à questão em voga, a autoridade estatal poderá usar o aplicativo em pontos de triagem ou checagem em estações de metrô, trem, portos e aeroportos para verificar todos que entram ali, e então o uso da força (no caso de negativa do cidadão assinalado para retornar a sua casa) seria ativado.
Mas aplicar tal instrumento globalmente teria que ser mais sutil e menos explicito, uma vez que no Ocidente muitas pessoas são avessas à vigilância constante e prezam pela sua liberdade. Por isso, para que mesmo essas pessoas sejam inevitavelmente forçadas ao monitoramento, seria importante atrelar algum dispositivo mais discreto que não fosse visível aos demais que estão a sua volta a essa base de dados, bem como vincular outros procedimentos da vida cotidiana ao uso desse dispositivo. O uso bancário é o que mais se destaca no horizonte de ideias, uma vez que todos precisam comprar e vender e realizar transações financeiras. Praticamente todo ser humano seria "convidado" por força de estruturação social a integrar-se ao novo modo de compra e venda.
Contudo, ainda assim, há o velho problema da instabilidade dos governos locais. Afinal, um instrumento de mudança tão radical, mas tão necessário a um planeta cada vez mais ligado, poderia gerar resistências contra a privacidade e liberdade. Portanto, não seria viável tal implementação sem uma autoridade supra-estatal que pudesse agir inquestionavelmente em todo o globo e os países acatariam sua decisão, implementado-a, como em uma grande Federação Global. E de fato "É necessário que tais coisas aconteçam, mas ainda não é o fim".
Comments