Teria sido mesmo os famigerados eventos do dia 08 de janeiro de 2023 uma tentativa de golpe de Estado? Acompanhe a abordagem do Sociedade Inteligente.
No dia 8 de janeiro de 2023, um evento estranho ocorreu em Brasília. Para pessoas, tidas como manifestantes insatisfeitos com todo o trâmite do processo eleitoral polêmico de 2022, após mais de 2 meses em frente a quartéis militares, em busca de algum poder para reparar possíveis danos, o processo eleitoral, na visão desses, foi muito enviesado. Assim, como em uma catarse coletiva, pessoas foram para a Esplanada dos Ministérios, e em uma conduta não condizente com as manifestações prévias, realizaram atos de vandalismo nos prédios públicos da Praça dos Três Poderes.
Após mais de 1500 pessoas presas de forma ilegal em diversos níveis, muitas questões pairam sobre o dia 8. Condutas não foram individualizadas, mulheres foram presas com homens e com crianças em um galpão (conduta semelhante ao que era feito em campos de concentração nazifascistas e nos gulags comunistas). Não apenas esse fato, mas as ilegalidades mais processuais também que foram surgindo ao longo do tempo, e questionamentos sérios são crescentes em torno dos presos do 8 de janeiro. Mas, talvez, se houvesse uma tentativa real de golpe de Estado, pudesse ser justificado o atropelo da lei? Se houve mesmo o tal "gópi", porque ainda há tanta resistência na aceitação dessa narrativa (vide as pífias manifestações da esquerda de hoje)?
Primeiramente é preciso entender a percepção da sociedade quanto ao suposto golpe. Nesse sentido, pesquisas apontam que não há um número muito diferente do resultado de 2022 favorável à tese de golpe. Por exemplo, logo após os atos de vandalismo do 8 de janeiro, a Atlas Intel realizou uma pesquisa que nem abordou a questão de golpe, mas havia uma divisão nas opiniões quanto à responsabilização de Bolsonaro (que seria, supostamente, o que se beneficiaria com o dito "golpe").
Trazendo para um contexto mais atual, em outra pesquisa da Genial/Quaest a pergunta também relacionada com a responsabilização ou influência de Bolsonaro nos atos, mais da metade não atribuiu culpa ao ex-Presidente da República. Outro ponto interessante é que, ao realizar pesquisas pelas redes sociais, é possível observar que próprios integrantes da direita desaprovam os atos de vandalismo do 8 de janeiro e não defendem que os responsáveis fiquem impunes do que fizeram. O ponto está nas prisões ilegais e arbitrárias realizadas pelo STF no caso.
Finalmente, é preciso abordar do ponto de vista mais técnico jurídico sobre o ato do suposto golpe em si. Muitos não sabem, mas o golpe de Estado é elencado pelo Código Penal, através do seu artigo 359-M. Esse dispositivo trás dois elementos importantes, os quais são: a violência e a grave ameaça. Ou seja, é preciso ser um evento violento para o Estado, ou compor uma real ameaça ao atual Estado brasileiro. Nesse sentido, cabe a interpretação: Pessoas desarmadas, dentre as quais algumas de fato cometeram depredação de patrimônio público e vandalismo, muitas dessas idosas e até menores de idade, poderiam depor o governo brasileiro de forma violenta para o Estado?
E quanto à grave ameaça, além do já mencionado, pessoas em uma condição psicológica, que foram presenciadas cenas como orações para pneus, ou pessoas que andaram abraçadas em frentes de caminhões, seriam mentalmente capazes de apresentar ameaça ao Estado brasileiro? Ainda mais estando elas desarmadas e idosas? Mais uma vez, cabe a interpretação conforme a mente e opinião de quem analisa e observa a lei. Porém não é apenas o Código Penal que fala sobre golpe de Estado.
A Constituição cidadã de 1988 saía de período obscuro do regime militar, o qual foi acusado por muitos dos atuais entusiastas dos julgamentos de exceção das cortes brasileiras, de ser um período autoritário e, portanto, cautelas foram tomadas pelo constituinte. Dentre essas cautelas, uma preocupação era equilibrar a proteção da autoridade estatal, mas sem ferir o direito de livre manifestações. Assim, a solução foi celebrada no ilustre artigo 5º, inciso XLIV, que restringiu a definição de crime inafiançável nesse sentido, a atuação de grupos armados que fossem contra a ordem constitucional ou o Estado Democrático.
O texto é claro e define que a restrição visou especificar os casos da criminalização para evitar que manifestações de grupos como o MST fossem atingidas por punições, ou as manifestações comunistas que defendem a ditadura do proletariado. Esses dois últimos já responsáveis em inúmeros casos por vandalismo e por depredação de patrimônio público. Nesse sentido, mais uma vez cabe a interpretação: pessoas desarmadas poderiam cometer crime à luz do disposto aqui?
Portanto, é no mínimo duvidoso apontar que as pessoas que praticaram o vandalismo no 8 de janeiro estariam cometendo uma tentativa de golpe de Estado. E a locução "as pessoas" refere-se aos que estavam ali na Esplanada e na Praça dos Três Poderes. Se houve algum tipo de conluio ou trama intraestatal para realizar alguma ruptura, os responsáveis por essa trama devem ser investigados e punidos (se individualizada e comprovada a culpa). Fora isso, é no mínimo duvidoso afirmar que as pessoas estariam praticando crime de tentativa de golpe de Estado, seja por falta de meios, seja por falta organização para representarem ameaça de fato ao Estado brasileiro.
Mas talvez as autoridades brasileiras responsáveis pelos processos absurdos em vigor contra essas pessoas, talvez saibam desses detalhes. Talvez, a ânsia por "salvar a democracia" tenha sido tamanha que (assim como um antibiótico aplicado em excesso) a democracia tenha morrido em meio a abusos de autoridades, processos ilegais e mortes, como a de Clesão, que faleceu no cárcere por ter sido preso ilegalmente. TALVEZ!
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